quarta-feira, 2 de março de 2011

Fantasmagorias





Nuno Cera
http://www.nunocera.com/


O que resta ainda da “metafísica da presença” (presença como consciência, subjetividade, identidade plena, vontade, determinação etc.) diante da virtualização ou o do que o Sr. chama de “espectralização” do mundo?

“Metafísica da presença” é uma expressão um tanto global que abandonei porque ela se prestava excessivamente a mal-entendidos. Não existe “uma” metafísica da presença. Eu diria que de fato houve nessa unidade - “metafísica da presença” - muitas rupturas, diferenças, mutações. Mas entenda-se que as espectralizações sozinhas não bastam para pôr em questão o que se chama de “presença”. O espectro é uma forma de presença e o virtual é também uma espécie de presença. Simplesmente percebe-se que a oposição presença/ausência não funciona mais de maneira tranqüilizadora quando se trata do virtual e do espectral. É, aliás, por isso que esse conceito de espectral desde sempre me interessou muito - não apenas recentemente, nos “Espectros de Marx” -, porque o espectral está relacionado ao retorno dos mortos e ao luto. O espectral é o que transita entre o mundo dos vivos e o dos mortos, o presente e o ausente. Portanto, o valor de espectralidade é por si próprio desconstrutor, uma força que atrapalha o crer na presença. Mas pode-se sempre, para se tranqüilizar - e isso continuará ocorrendo sempre -, formar ou forjar efeitos de identidade, de consciência, de subjetividade para justamente resistir à angústia do espectral. Quanto mais o espectral e o virtual invadem o campo da experiência, tanto mais se tem necessidade de reconstituir forças estáveis de identidade, de presença, de consciência, de subjetividade etc. Noutras palavras, não creio que os efeitos de espectralidade vão suprimir o desejo de condições estáveis para a subjetividade, a presença, a identidade. Ocorre, no momento, uma mudança na definição do campo e uma nova forma de reatividade aos perigos que vêm da espectralização, e isso resulta na necessidade de identificação, de tomada de consciência, de subjetivização. Cada vez mais se vê a reivindicação a respeito de tudo o que hoje se chama de identitário: a reivindicação da identidade e do direito individual ou coletivo. Tudo isso são reações novas, em intensidade, às ameaças decorrentes das invasões do espectral e do virtual. Quanto mais existe espectralização, tanto mais há respostas, reações e apego ao lugar sólido da identidade, da subjetividade (...)

“A Solidariedade dos Seres Vivos”, Entrevista com Jacques Derrida, por Evando Nascimento.

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